29 janeiro 2007

Caulfield

Depois de muito mofo nesse blog, resolvi postar nessa segunda-feira chuvosa e solitária de Janeiro na cidade de São Carlos.
Semana passada tive uma sensação muito boa, e em dobro. Sabe quando se termina um livro e uma certa emoção lhe toma o seu interior? Pois é! Tive esse sentimento em dobro, no mesmo dia. Acabei de lêr dois livros em um dia só: "O Apanhador do Campo de Centeio" (The Catcher in the Rye) do autor americano J.D. Salinger e "O Auto da Compadecida" do paraibano de João Pessoa, Ariano Suassuna.

Esse post eu não recomendo que seja lido por alguém que quer ler o livro de Salinger pois pode conter spoiler. Se você leitor desse humilde blog não se importar com isso, continue em frente.

Como será que é ser surdo e mudo, ou a coisa que o valha?

"Não vou saber dizer o que há...
Não vou poder jamais explicar
os dias em que pensei ter
respostas para tudo
fingindo ser forte e negar
que eu nem sei se eu quero saber
se amanhã vai ser igual (ou não)...
Porque me assusta tanto
não ter histórias pra te ouvir contar."


O primeiro livro, que é o "alvo" deste post, conta a história de um fim de semana de um garoto chamado Holden que é expulso, pela terceira vez, da escola e resolve voltar pra casa. A história é curta e simples. Entretanto, o que torna o livro cativante é o seu personagem principal.
A minha simpatia pelo garoto deve ser comum a todos os leitores desse clássico da literatura americana.

Vejo em Holden, muitos dos sentimentos que possuo e também muito dos que repudio, e gosto muito das ações do rapaz, como a pensar sobre todas as coisas e pessoas com quem se encontra em seu caminho ou o repúdio pela falsidade. Em determinado trecho do livro, o garoto menciona a sua irmã mais nova, a quem tem uma grande adoração que, na casa dele, não existirá falsidade. Isso será proibido. Entretanto ele é contraditório nisso, pois é um grande mentiroso, daqueles de primeira linha, que, aliás, foi algo que achei bastante divertido no livro. Para quem me conhece sabe porque estou falando isso.
=D

Como será que é querer ser surdo e mudo, ou a coisa que o valha?

Essa frase inclusive esclarece muita coisa sobre o livro e sobre perda de ilusão, sobrer o conformismo e a inércia cerebral. Apesar de se tratar de um personagem muito deprimente, com a moral muito baixa e sempre com muito pezar, existe um humor melancólico em sua jornada e acho que isso é algo que temos, ou que pelo menos eu tenho muito em comum com o Holden, fazer piada de nossas piores situações.

Além disso ele é, como dizer, um desajsutado socialmente.
Não se adaptar a sociedade, ao sistema e aos valores que fazem o coletivo funcionar é sempre algo tão penoso e tão dificil visto que, o "jogo" é esse e, a partir de uma ceta idade, por alguma razão, acreditamos termos de jogar e não tentar mudar as regras. Espero que esse processo demore muito ainda comigo, apesa de saber que já está se encaminhando. As desilusões fazem parte dessa mudança de rumo e faz mudar o lado do egoísmo. Egoísmo?

Sim! Ser contra a sociedade e as regras que ela nos impõe é tão egoísta quanto não pensar no bem das outras pessoas que nos circundam. Um dos pontos chaves para o funcionamento da raça humana foi a organização e, apesar do muito mal que essa organização nos fez, vejo-a como parte vital da nossa sobrevivência. Então poderemos considerar um ato de bem comum quando nos entregamos as suas regras e suas condições para que nós humanos continuemos sobrevivendo.
O que não vejo muito sentido é "continuar sobrevivendo" com todo o sofrimento e privação que nos é imposto. Sabe-se la porque mas viver deve ser o maior prazer de qualquer ser vivo. Deve ser um prazer natural/instintivo, visto que fazemos de tudo por isso.

"Teorias de viver
não me deixaram rumos
e agora eu estou parado.
As pessoas vão e vem
e é tudo tão confuso...
eu só queria voltar pra casa."


Como será que é querer ser surdo e mudo para que as pessoas não tenham de falar com você pois ja estão cansadas de escrever em um bilhete e te entregar, ou a coisa que o valha?

Egoísmo que também é outro traço marcante de Holden.

Que mais uma vez se mostra contraditório quando, indagado sobre sua irmã mais nova sobre o que ele quer fazer da vida ou o que ele gosta, ele diz que quer ser um apanhador do campo de centeio, daqueles que agarram as crianças descuidadas que brincam em um campo de centeio perto de um abismo e que pra la se deslocam e quase caem. Mas para evitar essas quedas, temos o apanhador do campo de centeio.

No fundo, mesmo depois das desilusões, das decepções e da destruição dos sonhos, preservar a vontade e o sonho foi algo que sempre busquei, o que muitas pessoas confundem com mundo rosa e, sobretudo, compartilho a vontade de ter uma casa sem falsidades.

Como será que é desistir de querer ser surdo e mudo, ou a coisa que o valha?

"Se alguém encontra alguém atravessando o campo de centeio!"

03 janeiro 2007

Caindo de Joelhos?

Como muitos que me conhecem sabem, sou um apaixonado por esportes, principalmente pelo basquete e pelo futebol.
O post de hoje vai ser a narrativa da mais bonita história sobre o futebol que eu conheço. Acredito que quase todos os que lêem esse blog não tem o mínimo interesse sobre esse tema, mas essa é uma história belíssima de resistência pelo meio do esporte.

Texto extraído do site do Uol Esportes.

"O exército alemão invadiu a Ucrânia, então uma república pertencente à União Soviética, em 22 de junho de 1941. Pegos de surpresa pelo ataque - Hitler quebrou o pacto de não-agressão firmado tempos antes com Stálin -, os ucranianos resistiram bravamente, mas pouco puderam fazer para evitar que o país caísse nas mãos da Alemanha.

Os principais jogadores do país na época foram feitos prisioneiros de guerra e, depois de serem liberados, passaram a sofrer as conseqüências da guerra, principalmente a falta de comida. Graças a um encontro fortuito entre Josef Kordik e Nikolai Trusevich, ex-goleiro do Dynamo Kiev e um dos melhores da URSS, eles ganharam uma nova chance.

Por suas boas relações com os alemães, Kordik assumiu a administração de uma das padarias responsáveis pelo abastecimento da cidade - na verdade uma verdadeira fábrica de pães, que trabalhava 24 horas por dia para produzir cerca de 50 toneladas de variados tipos de pães.

Entusiasta do esporte, Kordik ofereceu um emprego a Trusevich. Juntos, eles saíram à procura de outros ex-atletas sobreviventes e, em pouco tempo, haviam reunido não somente um grande número de bons jogadores de futebol, mas também grandes nomes de outras modalidades como boxe, ginástica e natação.

Pão e circo para os dominados

Pouco mais de um ano depois da invasão, os nazistas tentavam convencer a população da capital Kiev de que a vida sob seu comando era melhor do que na época do comunismo. Por isso, fizeram uma série de pequenas concessões para dar um aspecto mais "normal" ao cotidiano da cidade - entre elas, a volta do futebol.

Herói da Primeira Guerra Mundial e ex-jogador do Lokomotiv Kiev, Georgi Shvetsov era um nacionalista ucraniano que se opunha ao regime comunista e se tornou um dos principais aliados dos alemães após a invasão. Enxergando uma chance de autopromoção, ele criou seu próprio time, o Rukh, e convenceu os nazistas a permitirem a volta do futebol.

Os jogos passaram a ser realizados no antigo estádio do Dynamo, rebatizado de Estádio Ucraniano. Mas o povo não mostrou interesse, pois apenas os alemães e seus aliados podiam jogar, o que tornava a equipe do Rukh bastante impopular.

Shvetsov tentou então recrutar os antigos ídolos do Dynamo e do Lokomotiv, que a essa altura já estavam estabelecidos na padaria, mas nenhum deles aceitou atuar ao lado dos invasores, mesmo que isso significasse uma melhora significativa em suas condições de vida.

Para aliviar o trabalho pesado e as preocupações com os familiares que haviam conseguido fugir, Trusevich e seus companheiros organizavam treinos diários nos intervalos dos turnos. Esperto, Kordik conseguiu que os alemães aceitassem a formação de um time, alegando que o esporte seria benéfico para a produtividade da padaria.

Surge uma lenda

Nascia assim o FC Start, que fez sua estréia em 7 de julho de 1942. Sem uniformes, os ucranianos usaram calças cortadas, botas, sapatos e um jogo de camisas vermelhas que Trusevich encontrou nas ruínas de uma loja. "Os fascistas vão ver que esta cor não pode ser derrotada", teria dito o goleiro, segundo o livro "Futebol e Guerra", publicado em 2001 pelo jornalista escocês Andy Dougan.

O único que tinha chuteiras apropriadas era o ponta Makar Goncharenko, que as conservou intactas durante a invasão na certeza de que nem mesmo a guerra o impediria de jogar futebol. Mesmo sem os equipamentos adequados e com seus jogadores em estado físico precário (pouca comida e muito trabalho), o Start goleou o Rukh por 7 a 2.

Enfurecido com a humilhante derrota, Shvetsov fez os nazistas proibirem os "comunistas" de entrarem no Estádio Ucraniano, mas nem assim conseguiu impedir a ascensão do Start. Kordik arrumou outro campo, chamado Estádio Zenit, no centro de Kiev, que seria o palco das mais fantásticas vitórias do time.

No dia 21 de junho, o Start estreou na nova casa goleando uma equipe da guarnição húngara, que dava suporte aos alemães na invasão da URSS, por 6 a 2. Dias depois, foi a vez da guarnição romena levar 11 a 0. No dia 17 de julho, o Start enfrentou um time alemão pela primeira vez, chamado de PGS, e aplicou 6 a 0.

A fama de imbatível da equipe começou a se espalhar pela cidade, e a população começou a comparecer em peso aos jogos. As vitórias no futebol elevaram o ânimo dos ucranianos e deram a eles um motivo para se unirem. E o que era uma estratégia de pacificação dos alemães começava a se tornar uma fonte de rebeldia.

No dia 19 de julho, o Start derrotou o MSG Wal por 5 a 1, mas enfrentou seu mais duro desafio até então. Como havia jogado praticamente toda a partida com um homem a menos, o time do exército húngaro pediu revanche. Animados com o bom desempenho do MSG Wal, os alemães deram autorizaram a realização de mais essa partida.

Os ingressos foram colocados a cinco rublos cada na tentativa de impedir o povo ucraniano de comparecer, mas uma multidão invadiu o Estádio Zenit na tarde de 26 de julho. O Start fez 3 a 0 no primeiro tempo, com gols de Kuzmenko, Komarov e Goncharenko, mas levou dois na segunda etapa e só segurou a vitória graças à grande atuação de Trusevich.

Um triunfo épico era tudo o que os alemães não queriam, mas derrotar o Start dentro de campo se tornara uma questão de honra para os nazistas. Fechar o time ucraniano e executar seus jogadores criaria mártires e só pioraria a situação. Por isso, foi marcado para 6 de agosto um jogo entre Start e o Flakelf, equipe formada por membros da força aérea alemã.

Não há relatos oficiais e detalhes dessa partida, mas a reação dos invasores no dia seguinte à derrota por 5 a 1 foi reveladora - marcaram uma revanche para o dia 9 de agosto, divulgando com antecedência a escalação do time do Start numa clara ameaça aos jogadores ucranianos, que entenderam o significado do desafio.

O jogo da morte

Ao contrário do clima festivo dos jogos anteriores, esse foi marcado pela tensão. Soldados alemães lotaram os melhores lugares das arquibancadas, deixando os ucranianos espremidos no que sobrou de espaço. Guardas com cães se mantinham postados diante da torcida para garantir a "ordem".

Momentos antes do apito inicial, o árbitro da partida, que era um oficial da SS, foi ao vestiário do Start e pediu que eles cumprimentassem os adversários da maneira alemã, ou seja, fazendo a saudação nazista e gritando "Heil Hitler". No momento da saudação, porém, os ucranianos dobraram seus braços sobre o peito de gritaram "Fizculthura", uma expressão que significava algo como "vida longa ao esporte".

"Ninguém da administração oficial nos pediu antes da partida para entregar o jogo. Alguns indivíduos tentaram nos persuadir a não provocar os alemães ou causar qualquer problema. Ouvimos em silêncio esse conselho e então decidimos por nós mesmos o que fazer. Resolvemos não fazer concessões: nós ganharíamos, mas talvez apenas com pequena vantagem", contou Goncharenko em entevista dada em 1992, reproduzida no livro de Andy Dougan.

Como na partida anterior, os alemães bateram bastante, fazendo faltas ainda mais ostensivas e impedindo os frágeis adversários de jogar. Depois de acertar o goleiro Trusevich em uma jogada desleal, o ataque do Flakelf abriu o placar. Mas Kuzmenko acertou um chute de longa distância e empatou.

O gol tranqüilizou o Start, que passou a tocar a bola e fazer prevalecer a sua maior categoria. Ainda antes do intervalo, Goncharenko fez dois gols e virou o placar para 3 a 1, levando o público ao delírio. Em êxtase, os torcedores ucranianos cantavam e dançavam, zombando e insultando os oficiais alemãs, que reagiram com violência.

Nos vestiários, outro oficial da SS recomendou aos jogadores do Start que avaliassem as conseqüências do resultado, mas eles não deram ouvidos. Embora os dois times tenham marcado dois gols no segundo tempo, o Start manteve a vantagem e venceu por 5 a 3, com direito a uma humilhação extra - depois de driblar toda a defesa alemã, Klimenko parou sobre a linha do gol, virou-se e chutou a bola para o centro de campo, recusando-se a marcar.

Morte e ideologia

O que aconteceu realmente depois do jogo ainda é uma questão controversa. Muitos acreditam que os jogadores do Start foram executados logo em seguida na ravina de Babi Yar, utilizada como depósito de cadáveres pelos alemães, versão que foi propagada pelo regime comunista após a queda de Hitler, pois a ele interessava mostrar como os "vermelhos" do Start haviam superado os nazistas.

Mas essa versão é enfraquecida porque o Start ainda jogou uma outra partida depois daquela, goleando o Rukh por 8 a 0. Cansados das humilhações impostas a eles e seus aliados, os alemães finalmente prenderam os jogadores que trabalhavam na padaria e os levaram para o campo de concentração de Siretz.

Quatro deles - Kuzmenko, Klimenko, Korotkykh e Trusevich - foram executados meses depois, em fevereiro de 1943, com tiros na nuca. Segundo relatos de testemunhas, o goleiro gritou "o esporte vermelho nunca morrerá" antes de receber o disparo. Os demais jogadores conseguiram escapar o resistir por mais alguns meses, até que o exército soviético recuperasse o controle de Kiev.

Os quatro mártires do futebol ucraniano são lembrados com orgulho no país. Eles ganharam uma estátua esculpida em um único bloco de granito de cerca de três metros de altura, na qual os quatro aparecem abraçados. O monumento fica na praça em frente ao estádio do Dynamo Kiev e é reverenciado até hoje tanto por jogadores como por torcedores do clube."