20 janeiro 2008

O Maior de Todos

Olá.
Não é segredo que eu sou um cara apaixonado por futebol. Independente do time que torço, gosto muito de ver um grande jogo e grandes jogadas, leio histórias do esporte bretão e até coloquei a saga do Start, time de futebol formado na época da segunda guerra que virou uma lenda.
Não é segredo para quem me conhece também que sempre prefiro o futebol bem jogado, bonito de ser assistido. Aqueles dribles fenomenais mesmo que para aqueles chatos críticos, esse tipo de jogo não seja eficiente. Mas, justemente por pensar assim, considero o Garrincha o maior de todos os jogadores da história, mesmo não tendo acompanhado a carreira dele fora dos registros que se têm e dos textos escritos sobre ele. Mas nessa base, prefriro assistir um vídeo do Garrincha do que do Pelé, do Puskas ou do Di Stefano por exemplo.

O motivo de colocar esse texto aqui no blog é que hoje faz 25 anos da morte do Garrincha, o maior de todos.

Retirado do Blog do Juca:

25 anos sem Mané Garrincha*


Pelé deixava o estádio boquiaberto. Garrincha fazia o estádio gargalhar.

O Rei beirava a perfeição, como Michelangelo. Mané alegrava, como Van Gogh.

O "Atleta do Século" era Spielberg. A "Alegria do Povo" era o próprio Chaplin.

Um lembrava Beethoven, o outro, Mozart.

O Rei Pelé, é o melhor de todos os tempos. Mané Garrincha, a "Alegria do Povo", foi o segundo.

Mesmo que o mundo não reconheça, Garrincha foi sim, o segundo melhor jogador da história do futebol.

E com Pelé e Garrincha juntos, a Seleção Brasileira jamais perdeu um jogo sequer. Foram 40 partidas, 36 vitórias e apenas quatro empates.

Por herético que pareça, Garrincha conseguiu ser até mais importante que Pelé nas duas Copas do Mundo vencidas pela Seleção Brasileira com ambos em campo -- em 1958, na Suécia, e em 1962, no Chile.

Na primeira, o Brasil provavelmente venceria mesmo sem o menino Pelé, com 17 anos. Teria sido mais difícil, sem seus seis gols e tanta genialidade. Mas, sem Mané, talvez tivesse sido impossível, arma letal para desarrumar as defesas européias.

Indiscutível, no entanto, que na Copa do Chile, na qual Pelé saiu machucado no segundo jogo, Garrincha fez pelo Brasil o que só Maradona foi capaz de fazer pela Argentina, no México, 24 anos depois: ganhou a Copa praticamente sozinho.

Ali, ele driblou como sempre e fez gols, quatro, como nunca. Mais: armou pelo meio, marcou gol de cabeça, de pé esquerdo, de fora da área, bateu faltas, uma das quais, no rebote do goleiro inglês, acabou e gol do Brasil. Enfim, ele pintou e bordou.

Assumiu o papel de ator principal, acostumado que estava a ser coadjuvante de Pelé.

Até ser expulso de campo ele foi (pela quarta e última vez em 20 anos de carreira), na semifinal, contra os anfitriões, depois de muito apanhar de seus marcadores chilenos.

E jogou a finalíssima febril.

Em 1970, ano do tricampeonato brasileiro, Garrincha já não estava e Pelé foi maravilhoso, como era habitual. Mas, novamente, é possível supor que o Brasil seria campeão mesmo sem ele.

No Chile, no entanto, sem Garrincha, jamais.

E, enfim, para enaltecer o maior camisa 7 da história não é preciso compará-lo a ninguém -- embora inevitável, mas já suficiente. Até porque Garrincha foi único.

Tão único que apenas uma vez, em 60 jogos, saiu derrotado de campo com a camisa da Seleção Brasileira. E foi exatamente em sua última participação pelo time da CBF, na Copa da Inglaterra, em 1966, Brasil 1, Hungria 3. No mais, foram 52 vitórias e sete empates.

Mané Garrincha era pura fantasia. E, fisicamente, improvável.

A tal ponto que foi dispensado de servir ao Exército sem nem sequer precisar de exame médico. O sargento que o recebeu achou que ele era deficiente físico e dispensou-o sem mais.

Tinha o joelho direito virado para dentro e o esquerdo, para fora.

Em regra, as pessoas são genuvaras (os dois joelhos voltados para dentro) ou genuvalgas (para fora).

Ele não era nem uma coisa nem outra. Ou era ambas.

De quebra, tinha um deslocamento de bacia.

Daí porque ser praticamente impossível marcá-lo.

Se o marcador olhasse para os seus joelhos ficaria inteiramente desorientado. Se olhasse para o seu tronco que, é claro, sempre acompanha o movimento do corpo, também se perderia, porque o deslocamento da bacia causava confusão.

E todo mundo sabia que ele só driblava para a direita. Mas ninguém conseguia roubar a bola dele.

Vale relembrar.

Os dois alvinegros, Santos e Botafogo, faziam os grandes jogos da época, anos 60. Pelé x Garrincha, fora outros gigantes de ambos os timaços.

Pois o Pacaembu, em São Paulo, estava lotado para ver mais uma disputa genial.

Pelé e Mané estavam em campo, mas o diabo estava era no corpo que vestia a camisa 7, não a 10. O lateral esquerdo Dalmo, do Santos, viveu uma tarde de terror. Garrincha pegava a bola e, andando, levava Dalmo até dentro da grande área, onde o zagueiro não podia fazer falta.

O Pacaembu não acreditava no que via: um ponta andar da intermediária até a área, sem que o lateral tentasse tirar a bola, temeroso do drible desmoralizante. Até que Dalmo percebeu que tinha virado motivo de chacota dos torcedores, muitos dos quais nem santistas eram, mas que iam ao campo na certeza do espetáculo.

E Dalmo resolveu bater, fora da área. Bateu uma vez, Garrincha caiu, o árbitro marcou a falta e repreendeu o paulista. Bateu outra vez, Garrincha voltou ao chão, o árbitro marcou a falta e ameaçou Dalmo de expulsão, porque naquele tempo o cartão amarelo não existia.

A terceira falta de Dalmo foi a mais violenta, como se ele tivesse pensando: "Arrebento essa peste, sou expulso, mas ele não joga mais".

Pensado e feito. Enquanto o gênio das pernas tortas estava estirado no bico direito da área dos portões principais do Pacaembu, o árbitro determinava a expulsão de Dalmo, cercado por botafoguenses justamente irados com seu gesto.

Eis que, como um acrobata, Garrincha levanta-se, afasta seus companheiros, bota o braço esquerdo no ombro de Dalmo e o acompanha até a descida da escada para o vestiário, que, então, ficava daquele lado.

Saíram conversando, como se Garrincha justificasse a atitude, entendesse que, para pará-lo, não havia mesmo outro jeito.

O Botafogo ganhou de 3 a 0 e saiu aplaudido do estádio. Tinha visto uma autêntica exibição do Carlitos do futebol, digna mesmo de Charles Chaplin, divertida, anárquica, humana, sensível, solidária.

Assim Mané levava o futebol e a vida. Sem maldade.

Talvez também por isso, o povo brasileiro o amou mais do que qualquer outro ídolo do futebol.

Garrincha não se enquadrava em nenhuma teoria e foi a melhor prova de que nada é mais injusto do que tratar igualmente os desiguais.

Ele merecia tratamento especial. Ou era assim ou não teria sido o que foi.

Nilton Santos, por exemplo, seu compadre e líder do grande Botafogo dos anos 50 e 60, gosta de contar que de vez em quando surgiam reclamações dentro do elenco alvinegro por causa das regalias do camisa 7.

Quando a situação começava a dar pistas de uma crise iminente, o lateral-esquerdo reunia os jogadores e os catequizava. "É verdade que o Mane não aparece na revisão médica às segundas-feiras. É que na segunda-feira ele vai para Pau Grande, sua cidade, caçar passarinho. Sei também que nem sempre ele aparece para treinar na terça, principalmente quando o tempo está bom. É que ele dá uma esticadinha, fica caçando mais um pouco, e tomando sua cachaça. É também fato que ele vira-e-mexe foge da concentração. Mas ninguém pode acusá-lo de não jogar aos domingos e nos jogos ele garante o nosso bicho. É só isso que temos de cobrar dele: que nos garanta os prêmios por vitórias. Esse negócio de revisão médica, treinamentos, concentrações é para nós, mortais, comuns. O Mané é diferente".

E bote diferente nisto.

Garrincha era um sujeito simples, ingênuo mesmo, mas muito inteligente, diferentemente do que o folclore sempre quis fazer parecer.

São inúmeros os casos que o têm como protagonista central, boa parte deles fruto da imaginação de quem os contou.

Sobre isso, por sinal, é recomendável a leitura do grande livro "Estrela Solitária – Um brasileiro chamado Garrincha", obra-prima do jornalista Ruy Castro, publicado em 1995 pela editora brasileira Companhia das Letras.

(Ruy Castro, por sinal, prefere comparar Mané Garrincha ao comediante mexicano Cantinflas e a Harpo, um dos irmãos Marx, e discorda dos que o comparam a Chaplin, embora fosse impossível ver Garrincha sem lembrar de Carlitos e vice-versa).

Na biografia, revelam-se todos os ângulos do ponta-direita e, sem rodeios, como o álcool o devastou, levando-o a um fim dramático e inglório.

O imortal compositor Tom Jobim costumava dizer que o povo brasileiro é tão original que entre um vencedor e um perdedor sempre escolhe o segundo, razão pela qual Garrincha era mais amado que Pelé.

Uma evidente meia-verdade porque se, de fato, o craque botafoguense não teve a vida que merecia, por outro lado, dentro dos gramados, foi um incontestável vencedor. Como poucos, aliás.

Mané Garrincha nasceu Manuel dos Santos, em 28 de outubro de 1933, em Pau Grande, município do estado do Rio de Janeiro. As pernas tortas foram herança da mãe, Maria Carolina, e o alcoolismo herdado geneticamente do pai, Amaro.

Sobre ele, alguns dos principais escritores e jornalistas brasileiros cunharam frases como estas: ´´Para Garrincha, a superfície de um lenço era um latifúndio.`` (Armando Nogueira);

´´Como o poeta, tocado por um anjo, como um compositor, seguindo a melodia que lhe cai do céu, como o bailarino atrelado ao ritmo, Garrincha joga futebol por pura inspiração.``(Paulo Mendes Campos); ´´E a civilização não era o elemento de Garrincha. A graça estava em driblar, apenas driblar. Estava no futebol em estado selvagem e lúdico, que era como os índios o jogariam, se soubessem.``(Ruy Castro).

E um jornal chileno, "El Mercúrio", perguntou, durante a Copa do Mundo de 1962, em manchete: ´´De que planeta viene?``

Garrincha veio de um planeta desconhecido da imensa maioria dos atletas europeus, mas velho conhecido dos jogadores do Terceiro Mundo.

O campinho que serviu de palco para seus primeiros jogos quando ainda menino ficava à beira de uma ribanceira.

Ruy Castro descreve: "Conduzir a bola descalço, sem torcer o pé num daqueles buracos, já seria uma façanha. Driblar perto da ribanceira sem deixar a bola escorrer por ela, façanha maior ainda. Garrincha praticava as duas proezas com a maior facilidade. No primeiro caso porque, de tanto topar com os buracos, aprendera a driblá-los junto com o adversário; no segundo, porque detestava ter de descer a pirambeira para buscar a bola – donde tentava não perdê-la. O normal era que jogassem Garrincha e mais dois contra sete ou oito, para a partida ficar equilibrada".

Com um aprendizado em tais condições, só mesmo os italianos ficaram surpresos com a atuação dele num amistoso diante da Fiorentina, pouco antes da Copa do Mundo de 1958.

É ainda Ruy Castro quem narra: "O Brasil já ganhava por 3 a 0, mas o quarto gol, que foi de Garrincha, aos 30 minutos do segundo tempo, sangrou a Fiorentina até a morte. Garrincha transformou os italianos em soldadinhos de cartas, um derrubando o outro à sua passagem. Robotti foi o primeiro que ele driblou. Magnini apareceu para ajudar Robotti e foi igualmente driblado. O goleiro Sarti abandonou a meta para enfrentar Garrincha e também foi fintado. Com o gol vazio, Garrincha poderia ter chutado, mas Robotti conseguira voltar para combatê-lo. Garrincha tirou-o da jogada com um drible de corpo e Robotti teve de segurar-se na trave para não cair. Garrincha, então, apenas caminhou com a bola até dentro do gol". Como se quisesse evitar que a bola descesse ribanceira abaixo.

Diz a lenda que a brincadeira tirou-o do time titular do Brasil no começo da Copa e , fábula ou não, o fato é que ele só entrou na equipe no terceiro jogo, quando enlouqueceu os soviéticos do começo ao fim da partida.

Entre 1955 e 1962, Mané Garrincha foi isso, arte em estado puro.

De 1962 em diante, embora tenha jogado a Copa da Inglaterra, em 1966, ele tentou apenas sobreviver.

Seus joelhos já estavam em situação miserável e o alcoolismo se acentuava dramaticamente.

O melhor ponta-direita da história não conseguia driblar seus fantasmas e, no dia 20 de janeiro de 1983, nove meses e oito dias antes de completar 50 anos, Manoel dos Santos morreu miserável e esquecido para passar a ser reverenciado como um dos grandes gênios do futebol.

Mas gênio mesmo, com G de Garrincha.

*Texto escrito originalmente e publicado no livro "Futebol de muitas cores e sabores", da coleção Saberes do Desporto, Editora Campos das Letras, da Universidade do Porto, Portugal, em 2004.

1 Comments:

Blogger Nathalia said...

ei, que legal que vc tá atualizando com mais frequencia!
na verdade, não li o post inteiro, pq to indo estudar na biblioteca..sabe, estudar de verdade..hahah...mas depois vou ler
alias, nem posso comentar pq não assisto futebol, mas tbm prefiro um jogo qdo ele é "bonito" de se ver...alias, agora tem um futebol que é assim né, oq importa são os dribles..afeee...esqueci o nome!..ah depois procuro no google e te falo..hahah...

2:26 PM  

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